Não sou o tipo apaixonado por carros e motos, gosto muito de uma moto, tenho uma, mas não cuido de maneira doentia como muitos mas preservo porque é um bem que penei muito para conquistar. Afinal de contas, não é da noite para o dia que resolvemos adquirir um bem de tamanho valor e por isso tomamos certos cuidado tanto para preservá-lo como para preservarmos nossa vida.
Não sou o tipo que realmente lava a moto todo final de semana, não sou o típico homem doente pela sua "máquina", mas dava toda manutenção necessária. Não sou o tipo descuidado no trânsito e muito menos abusado, conheço bem meus limites e tento respeitá-los ao máximo, nunca cai por escorregar em óleo ou areia e as duas vezes que dei uma leve batida, uma foi um descuido de segundos e o outro foi porque pararam em via principal, mas nenhum deles foram acidentes graves, tanto que os prejuízos foram irrisórios, tirando o preço abusivo de algumas peças.
Não sou o tipo corredor, mais conhecido e difundido como piloto, que acha que qualquer rua ou avenida um pouco mais "lisa" serve para torcemos o cabo e chegarmos a 140km/h, muito pelo contrário, na cidade, em raras ocasiões atinjo os 70km/h, ando sempre no limite, nunca abuso dos corredores, praticamente não os frequento e somente em determinados horários furo o farol vermelho por questões de segurança mas mesmo assim sempre olhando muito bem antes de atravessar um cruzamento.
Minha moto é original, nenhuma peça é paralela, nunca levei a um mecânico meia boca, sempre em concessionária, isso porque quero mantê-la com sua qualidade original e não quero problemas futuros. Sempre tomei cuidado ao parar em determinados lugares porque tenho medo de roubo, de riscos e batidas. Sábado o meu segundo maior medo aconteceu, estava na casa de meu irmão, passamos a tarde fazendo um churrasco super agradável, o dia estava maravilhoso, mesmo como peso na consciência de ter deixado de estudar, fiquei super feliz porque precisava de descontração. Fiz isso porque merecia, após tanto estresse que passei durante essa semana, as mudanças e mais um monte de outras coisas, precisava relaxar um pouco e desencanar um pouco dos estudos. Fiquei lá a tarde inteira, tranquilo, rindo, fui realmente uma tarde agradável com pessoas mais que agradáveis.
Próximo das 21h, ouvi um estrondo e aquele barulho me lembrou o som de uma moto caindo, assim que olhei para o portão do meu irmão, notei que um caminhão de lixo parou e logo me levantei para conferir, mas já senti que haviam derrubado minha moto. A cada passo que dava em direção ao portão, meu coração acelerava mais e mais e minhas mãos ficavam cada vez mais trêmulas, comecei a sentir o ódio tomando conta, dominando minha mente. Assim que ultrapassei o portão, vi um desconhecido levantando minha moto e diversos recolhedores de lixo ao redor, começo a ficar mais nervoso ainda, porque aquilo era verdade, minha moto havia mesmo sido derrubada.
Vi a frente dela toda torta, assim que me aproximei, ouvi um dos recolhedores comentar que não sabia como o motorista não tinha visto a moto, outro questionou como fora possível ele cometer tal ato. Fiquei ali, parado em frente a minha moto, só então percebi que meu outro irmão me acompanhou e estava segurando ela, fiquei olhando, sem abrir a boca, a mão esquerda tremia demais, não conseguia segurar direito meu celular, que nessa altura do campeonato, nem sabia como estava em minha mão. O motorista desceu e começou a falar palavras inteligíveis, não conseguia compreender nada, não porque ele falava em algum dialeto, apenas porque estava tomado pelo ódio, a cada grunhido que ouvia de sua boca, meu ódio aumentava e a tremedeira também. Nunca vi minha mão tremer tanto, nem mesmo quando me tiraram do sério na empresa.
Comecei o ritual, anotei a placa, o nome do cara e finalmente consegui perguntar: "Como você conseguiu fazer isso?", aliás, em minha mente foi essa frase que tentei formar, não sei se consegui realmente exprimí-la. Via diversas pessoas ao redor, não reconhecia nenhum rosto a não ser do meu irmão do meio, logo em seguida notei que meu irmão mais novo também estava conosco, ele começou a indagar o cara, de uma forma um pouco brusca, um tanto quanto grosseira, tive medo de começar uma confusão naquele momento, do jeito que estava, provavelmente não seguraria ninguém, apenas tentaria levar ao chão o cidadão que fizera aquilo com minha moto. Tentei dizer algo, na realidade, disse algo que nem ao menos me recordo neste momento, mas sei que fizeram os ânimos se acalmarem e a conversa não tomar rumos desastrosos.
Meu irmão do meio me pediu a chave para ver se a moto andava, fui até a casa do meu irmão mais novo e peguei, entrei pensando em diversas coisas, a palavra faca me passou diversas vezes pela cabeça, pensei também em algum pedaço de madeira, que lembrasse um bastão, mas parei por uns instante mexendo na mochila para me acalmar. Não me recordo de ter uma reação como essa na vida, todas as vezes que me descontrolei, somente em uma tive pensamentos mortais, tive realmente a vontade de arrebentar a cabeça de uma pessoa, mas me controlei. Dessa vez foi complicado, respirava muito fundo, procurava praticamente o ar para tentar me convencer de que deveria apenas anotar os dados e depois fazer boletim e contato com a empresa para consertar minha moto.
Assim que voltei, perguntei se eles eram terceirizados ou se trabalhavam diretamente na prefeitura, alguém me respondeu que era uma empresa que prestava serviço, o motorista ainda falou que eles tem seguro e que a empresa cobriria tudo tranquilamente. Nessa hora tive uma vontade de falar um monte de coisas, porque o negócio não é somente cobrir o conserto. E o transtorno que terei para ir trabalhar, ir na psicóloga e qualquer outra coisa que queira fazer que dependa de transporte público? Tudo bem, nem trabalho tão longe, mas subir e descer diversas ladeiras logo de manhã cedo, foi o principal motivo que levou-me a tanto sacrifício para adquirir um veículo. Nessa hora, fui até a calçada, pensei em sentar, mas me agachei no portão do vizinho de frente ao meu irmão, comecei a pensar novamente, em diversas coisas, em trabalhar, na psicóloga ou em um passeio qualquer. Fiquei mais puto ainda quando pensei o tanto que tomava cuidado para não acontecer um acidente que me deixasse sem ela.
Paciência, vamos correr atrás de todo prejuízo e ver como fica agora, não adianta mais chorar sobre o leite derramado. E para quem pensar que eu poderia ter evitado ficando em casa estudando, pelo horário, provavelmente estaria lá de qualquer maneira. É muito provável que pararia às 18h para poder brincar e ver meu sobrinho, afinal de contas, estou vendo-o bem menos durante a semana. E também gosto do convívio que tenho com meus irmãos e cunhadas e eles estariam todos ali, eu não poderia ser o único a me ausentar mesmo por uma boa causa.