Na época do colégio, eu me metia em diversos problemas matemáticos porque gostava de resolvê-los, ou pelo menos tentar, nessa época, provavelmente eu tentava fazer isso somente para demonstrar conhecimento e superioridade. Com o passar dos anos e a experiência avançando, aprendi que era mais interessante tentar resolver um mistério para adquirir mais conhecimento do que simplesmente mostrar para os outros que você é melhor ou pior que eles.
Quando fiz o colégio técnico, fiquei conhecido como caçador de bugs, sempre que estávamos em aulas práticas e o povo se enrolava com código fonte, o pessoal perguntava para o infeliz japônes da sala sobre onde poderia estar o problema que ninguém encontrava. E quando ninguém me perguntava nada, como era o primeiro a terminar o exercício, ficava de olho para ver quem tinha problemas e não conseguia sair da linha em questão. Claro que existiam pessoas que mesmo que me pedissem, eu fazia questão de não ajudá-las. Isso porque eu ficava puto com quem atrasava as únicas aulas que eu gostava de fazer porque elas simplesmente não tinham nada melhor para fazer na vida e resolveram fazer processamento de dados para passar o tempo e não para adquirir mais conhecimento ou uma profissão.
Depois que comecei a trabalhar, continuei com o mesmo problema em querer ajudar as pessoas a resolverem coisas que designávamos como mistérios não explicados. Sempre tentando encontrar o motivo que levava a tal erro. Por simples curiosidade, não para ajudar e nem para mostrar que eu sabia mais. É praticamente uma doença, é algo extremamente necessário para fazer minha vida fluir de vez em quando, se não existem esses obstáculos, esses desafios, caio em um marasmo que consome minha alma. Então, quando tinha um problema em uma máquina ou mesmo com algum programa, quando ninguém resolvia, eu fazia questão de me intrometer para matar minha curiosidade sobre o caso e desvendar o tal mistério. Isso foi excelente durante meus primeiros anos na área, mas com o passar do tempo, as coisas pioraram, não existiam mais desafios ou mistérios, existia a preguiça em querer aprender dos outros. Isso acabou me transtornando a ponto de querer matar quando alguém resolvia fazer uma pergunta que todos julgariam cretina, por ser no mínimo necessário o indivíduo saber respondê-la sem precisar perguntar à outros. Por essas razões eu comecei a me afastar dos mistérios, fiquei cansado em responder perguntas imbecis ou perguntas que se a pessoa tivesse o mínimo de senso, ela mesma encontraria a resposta.
Mas, como qualquer câncer pode voltar, voltei a querer resolver mistérios, sempre que ouço algo interessante me intrometo para tentar encontrar a causa. Me envolvo a ponto de deitar pensando no caso para achar uma solução a qualquer custo. Não adianta por mais que eu queira, é inevitável, porque isso me traz muita satisfação quando chegamos a solução do mistério. Só fico um pouco insatisfeito quando percebo que é simplesmente uma cagada alheia.
Na terça-feira iniciamos um caso curioso, não conseguíamos extrair a procNFE de um cliente nem mesmo com força bruta. Tentei diversas formas, antecipei algumas mudanças no sistema que faltavam para tentar resolver e nada funcionava. Começamos a analisar a nota na quarta, infelizmente o dia que chego um pouco mais tarde e como havia levado a moto para fazer a revisão, cheguei mais tarde que o previsto. Assim que cheguei, peguei um café e comecei a questionar se o técnico havia feito os testes que pedi. Ele de bate e pronto já entrou em contato com o cliente para efetuarmos os testes. Fiz todos os testes possíveis e imagináveis, mesmo assim não conseguíamos extrair a procNFE. Mais alguns testes e nada, consultei a nota na receita para me certificar de que ela realmente estava autorizada, coisa que já havíamos verificado. Comecei a analisar informações irrelevantes para ver se algo havia passado despercebido. Nada suspeito, nada estranho, todos os dados batiam com a base de dados do cliente. Algo me chamou a atenção, algo que ainda não havia visto seu significado, o campo "digest value" na autorização da NF.
Acho que fiquei uns 5 minutos olhando para este campo sem mover um dedo sequer. Fiquei pensando em diversas coisas, pensei nas coisas mais absurdas e de repente perguntei em voz alta que campo seria este. O técnico só me olhou com uma cara de interrogação e nada respondeu. Fiquei pensando mais alguns minutos e nada. Diversas vezes me sentei em frente a uma amiga e comecei a questioná-la sobre o que poderia ocorrer para duplicar uma nota na receita. Perguntei para meu sócio que cuida do financeiro e recebi somente respostas óbvias, algo já esperado. Desci, fumei um cigarro e fiquei pensando muito em todas as possibilidades. Resolvi testar novamente com a tela que meu outro sócio fez para efetuarmos testes no sistema. Pedi para que tentassem recuperar a procNFE direto do WS da receita, nada, testaram novamente a geração da procNFE já que tínhamos o xml assinado e o restante das informações necessárias, nada novamente.
O dia acabou, fui embora descontente, incapaz, frustrado, não sabia mais o que fazer e aquilo estava ultrapassando o limite da obsessão. Cheguei já uma pilha de nervos, não havia dormido direito, tive que ir de ônibus porque estava sem a moto. Fiquei puto com algumas velhas no elevador e um velho. O dia não ia nada bem, testa daqui e testa dali novamente e nada. Mais uma vez uma nova bateria de testes com a tela de testes do sistema e nada. De repente, uma luz, havia um erro na tela, que não foi percebido ontem, já que ninguém sabe ler uma mensagem de erro, por sorte, dessa vez o japônes idiota estava ao lado do técnico e notou o problema. Arrumei a tela, novos testes e nada. Depois de muito pensar e debater com meu inconsciente, lembrei do botão de geração da procNFE na tela de testes, novo teste e uma surpresa.
O campo que causou a mensagem de duplicidade da nota foi o campo que meu inconsciente tentou me avisar, o maldito "digest value", não descobri porque mas ele estava diferente do xml que estava na base do cliente. Descoberto isso, arrumei a chave e foi possível gerar a maldita procNFE. Quer dizer, se quando tentaram testar pela tela de testes do meu sócio, alguém tivesse lido a porcaria da mensagem e me questionado, provavelmente levaríamos menos de 5 minutos para encontrar o problema e tudo estaria bem. Agora, perder quase 2 dias fazendo testes para descobrir uma bobeirinha dessas, é de matar qualquer um. Depois as pessoas dizem que preciso ser bonzinho. Realmente, fiz o que me mostraram nesses últimos tempos, fui confiar em alguém, confiei que esse alguém realmente havia feito tudo corretamente e que não deixou nada passar despercebido, no entanto, está aí o resultado. Como posso tentar confiar em alguém?
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